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Não
há duas iguais porque cada uma traz inscrita a marca inconfundível
de uma cultura que não se deixa levar pela massificação.
São cadeiras para estar à lareira, no Inverno, ou no rebato
da porta, no Verão, cadeiras de pé alto, cadeiras para estar
à mesa, cadeirões de braços, bancos pequenos e bancos
maiores que servem de poiso aos alguidares da amassadura do pão
ou da miga dos enchidos. Mas são também cadeiras em miniatura
esculpidas em pau de loendro segundo a veia criadora de mestre Joaquim
Carrapato, da aldeia da Estrela. Os fundos são quase sempre de
buinho, mas também os há de junça e tabúa,
ou então de corda de sisal na versão de mestre Francisco
Galhoz, de Santo Aleixo da Restauração. Falando em armação,
o loendro é a madeira mais utilizada, embora o choupo, o saísso,
a oliveira e o próprio pinho sirvam por vezes a necessidade dos
mestres artesãos.
Em todo o caso, diga-se o que se disser, não há como o encanto
de uma cadeira de buinho e loendro, com a queda ao jeito dos corpos que
nela se hão-de sentar por muitíssimo tempo. Esta justa medida
começa e acaba no saber-fazer do artesão, surpreendemente
vasto para não deixar de fora até o mistério dos
ciclos da natureza. É por isso, e para apontar apenas um exemplo,
que ele traz escrito no seu livro da experiência que o mês
de Maio é o melhor para ir à ribeira ceifar o buinho e a
junça em verde para o ano inteiro. Como diz o mestre Rainha, sempre
com uma sentença providencial na ponta da língua, no mês
de Maio, a junça e o buinho prendem um garraio, no mês de
São João, não prendem um cão. Por sua vez,
o loendro também se costuma dar bem com o fresco das ribeiras e
apanha-se no final da Primavera e pelo Verão adentro.
O artesão corta e falqueja então, com a ajuda de serra,
machado, cepilho e enxó, paus direitos para as patas e paus com
curvaturas capazes para fazer o encosto da cadeira. Para ligar uns e outros,
abrem-se furos com trado e arco de pua e talham-se travessas a enxó
e canivete. Com as madeiras assim aparelhadas, principia-se a cadeira
pelas costas, cujas peças são apertadas com um gastalho
para não afrouxarem. Em estando a cadeira armada e pregada, torce-se
o buinho, previamente demolhado, para empalhar o fundo. Se for o caso,
fazem-se berloques e alguns arabescos para ornamentar e, pronto, já
dá ares a uma cadeira!
texto:
António Filipe Sousa |
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