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Bebe
um trago de cerveja pelo gargalo, sem pressas, como se precisasse da demora
para se revelar. Pousa a garrafa em cima da televisão acesa e respira
fundo antes de responder. "Sou latoeiro desde que me conheço
por gente." E volta a debruçar-se sobre uma meia dúzia
de almotolias que o ocupam desde o início da manhã, lançando
assim a deixa para a pergunta seguinte. "O motivo é que não
me ajeito a estar parado. Estou sempre trabucando." Chegou a altura
de usar a fieira para fazer os debruns das peças. O trabalho leva
jeito.
Francisco Maria de Sousa, mais conhecido por Chico de Alqueva, porque
o pai era de lá, conta 73 anos de rodagem neste mundo, é
tendeiro de actividade principal, latoeiro só quando tem encomendas,
o que significa de tempos a tempos. Para além da alcunha, herdou
do progenitor o amor pela latoaria. Foi-se saindo bem, foi aperfeiçoando
a mão, e hoje faz as suas peças quase de olhos fechados.
Os cântaros para o transporte do leite, azeite e vinho, as enfusas
para guardar azeite, as almotolias para o servirem à mesa, os ferrados
para recolha do leite da ordenha, as cafeteiras, os funis, os cinchos
para enformar o queijo e espremer o soro, as candeias de azeite e petróleo,
os caldeiros, as caixas para refeições, os baldes, as panelas,
as pás e os caiadores, tudo é motivo para exibir os seus
dotes de mestre com créditos reconhecidos. São obras em
folha de Flandres, folha zincada ou chapa galvanizada, onde intervêm
a tesoura para cortar o metal, o maço de madeira ou borracha para
o bater, a bigorna e a trancha para fazer a curvatura das peças,
o compasso de bicos, os alicates, a fieira para rematar os debruns, os
ferros de solda e as limas. "Tudo isto ajuda, não digo que
não, mas o mais importante é o trabalho das mãos.
Aqui não há "mánicas", nem há moldes,
qual quê! É tudo a poder das nossas ideias e do jeito que
a gente tem." Sinal dos tempos, a arte da latoaria tem os dias contados,
basta olhar para o deserto de candidatos a aprendizes. O Chico sabe-o
bem, mas ainda não perdeu a esperança de vir a passar o
testemunho a quem o queira desafiar para uma empreitada dessas. Assim
haja gente com lata para tanto.
texto:
António Filipe Sousa |
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