Idalécia Valente: espírito de iniciativa acima da média


About the project

por Filipe Sousa, publicado no jornal A Planície, 15-2-2004

Os primeiros anos foram passados no Algarve. Primeiro em Tavira, sua terra natal, depois em Cachopo, na zona serrana. Até que conheceu e casou com o Agostinho, natural de Amareleja. Tinha apenas quinze anos e esperava-a uma nova subida no mapa, rumo à planície alentejana, para se instalar de vez naquela que é a sua terra de adopção. Excepção aos oito anos passados em Inglaterra, onde trabalhou na indústria hoteleira, a Amareleja foi sempre o seu pouso para viver e trabalhar. Nos primeiros tempos, ainda trabalhou na agricultura e chegou mesmo a frequentar dois cursos de formação profissional promovidos pelo IEFP, nas áreas da calcetaria e tecelagem. Porém, tinha já noção nessa altura de que o seu futuro não iria passar por nenhuma destas áreas. Animada de um espírito de iniciativa acima da média e de um instinto pouco vulgar para o negócio, e fazendo uso das poupanças conseguidas durante o tempo da emigração, a Idalécia passou dos planos à acção.
Tudo começou em 1999, ao decidir apostar na confecção e venda de refeições e petiscos numa roulote transformada em bar, à beira da estrada que liga Amareleja e Granja, aproveitando o facto de a via se encontrar em remodelação e de os trabalhadores não terem sítio onde comer. Concluídas as obras e sem clientela, a Idalécia mudou-se para uma pastelaria instalada em Amareleja, embora continuando com o negócio do bar ambulante aos fins-de-semana.
Foram estas experiências bem sucedidas que acabaram por incentivar a Idalécia e o Agostinho, três anos depois, a abrir, na vila, na rua das Ferrarias, a churrasqueira O Bomba, especializada na venda de frangos e carnes assadas no carvão, com entrega ao domicílio se for necessário. De tal modo sabiam que a nova aposta não seria um tiro no escuro que resolveram recorrer, sem receio do risco, ao Microcrédito e ao apoio da ADCMoura, quer no processo de instrução da candidatura, quer na promoção do negócio, quer ainda no acompanhamento que o projecto exige.
O sucesso tem sido de tal ordem, que a Idalécia decidiu alargar a oferta do seu estabelecimento indo ao encontro das preferências dos seus clientes. Do cardápio actual constam também o ensopado de borrego, as cabeças de borrego e os cozidos de grão e feijão em recipientes de barro. Além disso, a Idalécia fornece refeições por encomenda para almoços-convívio, festa de anos, casamentos, baptizados e passeios equestres. Apesar do conseguido até aqui, a nossa empresária ainda pensa em expandir o seu negócio. Mas por enquanto os seus planos permanecem no segredo dos deuses. Quanto a certezas só tem uma: «Sou muito teimosa e ambiciosa. Só não consigo mesmo o impossível».

incentivo: Microcrédito (Associação Nacional de Direito ao Crédito)

contacto:
M R. das Ferrarias, 75, 7885 Amareleja
T 966967300


UMA «BOMBA» NO CENTRO DA AMARELEJA

por Adelino Gomes, Retratos - 10 anos do Microcrédito em Portugal, Associação Nacional de Direito ao Crédito, Lisboa, 2008

A história que nos faz perguntar pelo restaurante e acabar no centro da vila da Amareleja, diante do cabalístico título que anuncia «’O Bomba’ no Central», começou há quatro anos. Vá lá, há sete, se considerarmos que o restaurante é filho da churrasqueira. E neto da pizzaria.
Idalécia gosta de recuar 20 anos. Até aos tempos longínquos em que, estuante de iniciativa, primeiro sozinha, depois já com o marido, João, começou a andar por margens de rios e albufeiras «e por aí afora». Chama-lhes (chamam-lhes, informa a nossa ignorância) «bares de pesca», porque o cliente-alvo é o pescador de fim-de-semana.
As obras do Alqueva, desde a Granja até ao pé de Reguengos, abriram-lhe nova janela de oportunidade: «O meu marido trabalhava lá. Na parte das obras de arte e de terraplanagem, não havia ninguém para servir o pequeno-almoço nem o lanche».
Idalécia mantém reservados os fins-de-semana para os pescadores, mas abandona o curso de formação de calceteira, em que se havia inscrito. «Trabalhávamos das 8 às 11 da manhã, para o pequeno-almoço; e das 3 e meia Até às seis da tarde. Levantávamo-nos às cinco da manhã, dávamos boleia a três funcionários da Edifer, que nos pagavam para os transportar, e regressávamos a casa tipo às nove da noite. Foi quando ganhámos mais dinheiro».
Seguem-se a pizzaria, um problema de saúde da filha e os empréstimos que a afogam em juros bancários.
O 11 de Setembro de 2001 – sim, o dia da queda das Torres Gémeas, Em Nova Iorque – ficou associado para sempre na sua memória a esta fase pessoal e profissional da sua vida. Porque é a partir de então que se desenvolve a ideia que ainda hoje faz sorrir o mais grave dos interlocutores: um take away. Na Amareleja.
O nitrofurano e a gripe das aves ameaçam-lhe o negócio, mas não o ânimo empreendedor. Há uns quantos anos a dona do café Central pergunta se não quer ficar-lhe com os equipamentos de cozinha. «Dava-me jeito era o espaço», contrapõe. Mantêm a churrasqueira «Bomba». Mas a alcunha do marido passa a brilhar também, no placard luminoso do restaurante mais bem situado da vila raiana.
É aqui que entra o microcrédito. Em cujos agentes encontra, no ugar da incredulidade da banca, que primeiro quer recuperar os empréstimos, o entusiasmo perante a autora do projecto mais improvável que a despovoada planície alentejana já terá conhecido, em matéria de restauração.
«Quando nos casámos – lembra Idalécia – fomos comprar ao supermercado dois copos, dois pratos e dois talheres. Não tínhamos nada, que era zero vezes zero. Vinte e dois anos depois, temos a casa onde vivemos, uma casa que alugamos e um restaurante».
Hoje o «Bomba», orgulha-se, oferece o melhor que há muitos quilómetros em redor: «uma açorda de marisco servida num tacho que até se come o próprio tacho, uma açorda de galinha com grão, que temos pessoas para lá de Reguengos que a vêm comer, um cozido de grão, a feijoada numas panelitas de barro que já não se vê («A ASAE? Já os convidei mas eles disseram que não fiscalizam por convite») e um arroz de pato que até de Espanha o vêem buscar».
Aquilo que o nitrofurano e os juros não lograram, contudo, está quase a consegui-lo a filha, Inês. Ou melhor, uma frase, no livro de honra do restaurante, carregado de elogios: «A mãe e o pai fazem boa comida pois não têm vagar para fazer a minha».
Junte-se-lhe o fim dos trabalhos da Central Fotovoltaica. Atrasos de clientes no pagamento. Uma certa saturação. «É sábados, domingos, feriados. Preciso de arranjar um emprego. Estou muito cansada».
Decidiu pôr o restaurante à venda. Não passam muitos minutos mais de conversa, porém, e já fala no projecto de uma pensão, que a câmara teima em não deferir.
No Microcrédito gabam-lhe a energia e a capacidade de realização. «Só não consegue o impossível», elogia-a o jornal Planície. «Deus quando nos fecha uma janela tem que nos abrir uma porta logo a seguir», diz, convicta.